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HÁ HISTÓRIAS E... HISTÓRIAS! - MISTÉRIOS (5)

Quarta-feira, 29.11.17

5. UMA BOA COMPANHIA

 

Nasceram-me dois filhos em Macau, cerca de 3 meses depois de lá ter chegado. Portanto a língua chinesa, para mim, era o que ela é na realidade: "chinês"! Sofri um pouco por me sentir lá sózinha com o meu marido no momento do nascimento. Faltava-me a protecção de quem realmente sabia do assunto... Ele sabia pouco e eu coisa nenhuma. Para ajudar, ele assustava-se tanto ou mais que eu. Enquanto isso  comecei a estar dividida entre o adivinhar se sabíamos um pouco mais ou menos que nada. Como, nestas alturas, o que se aprende nos livros é tão pouco!!! Por cada coisa que se aprende surgem logo dez perguntas e cem dúvidas!!!  E especialmente por ser o nascimento do nosso filho mais velho, portanto o primeiro! Para nós, foi, por assim dizer, o grande pânico. Até porque antes já tínhamos perdido dois!

Valeu-nos um casal amigo, cheios de experiência - os Santos Ferreira. Conseguiram levar uma certa ponderação à mais completa das desorientações, por um lado, e das irresponsabilidades por outro. Qual sinal de parto, quais sintomas! Nós queríamos era alguém, para se responsabilizar e encarregar do assunto, que aquilo era demais para nós...

Eu, então, quase temia mais os momentos logo a seguir ao parto que o próprio parto. Esse sentia-o da responsabilidade da parteira, uma Irmã Madalena espanhola, e do médico, o Dr. Afrânio de Almeida. Mas o grande papão era na verdade o tempo  em que ficava só no Hospital Conde S. Januário sem perceber grande coisa de chinês.  Naquele grande quarto branco! Frio, impessoal, vazio. Então, fora da hora das visitas!...O Eduardo  no quartel  e o bebé no berçário! Nesse período nem este me fazia companhia, pois as enfermeiras diziam que era para não me cansar (diziam elas, acho que para me calar)!!! Quando fosse para casa sempre haveria a esperança de ser melhor ... Lá, pelo menos, teria o "nosso" Won In (A In, como os portugueses lhe chamavam) que era pai de onze filhos. Pelo menos ele havia de saber alguma coisa pois no que respeita ao meu marido e eu, a perspectiva de estarmos juntos não representava grande coisa em termos de sabedoria... Era como somar nada com coisa nenhuma.

Assustava-me tanto a incerteza de darmos ou não conta do recado! Felizmente acabámos por dar. E bem! Tudo se foi vencendo por étapas. O momento do parto. O vazio do quarto foi na realidade palpável, ainda que as enfermeiras tentassem ser simpáticas...No entanto, na altura, ainda havia a barreira intransponível da língua. Como não estava lá há mais de três meses ainda não conseguia dizer mais que meia dúzia de palavras em chinês o que era manifestamente curto. Perceber-me-iam se precisasse delas? Apeteceu-me fazer uma choradeira na primeira noite para que o meu marido dormisse lá. O quartel que passasse sem ele! Mas a vontade de não me excluirem do mundo dos adultos foi mais forte. Nada de choros. Não, não era preciso que o meu marido ficasse lá! Eu estava bem... E, o mais importante, o bebé estava óptimo!

E, pronto, vi-me só. Estaria mesmo só? No cadeirão, sorridente e pachorrentamente sentado, vi distintamente o meu Pai. Suspirei, tranquila. Aceitei o que vi com alívio e naturalidade. Agradecida por tê-lo ali, por estar tudo controlado.

E adormeci. Ou será que já estava a dormir? Não sei. Sei que o meu primeiro cuidado ao acordar foi procurar o meu Pai, pelo quarto. "Esquecida" que ele não podia estar ali, em Macau. No fundo, sabia que não era o facto de estarmos em Macau, uma terra estranha e longínqua, que iria mudar alguma coisa quanto à imposibilidade da sua presença. Mas o certo é que sem a "presença" dele, ali, aquela noite teria sido demasiado longa para mim. Infelizmente naquele momento difícil, só tive a "preseça possível" do meu Pai já que ele não podia lá ter estado na realidade. Vivo, ali, não podia! Tinha morrido três anos antes!

A mente humana tem cada mistério! Prega-nos cada partida! Tinha recorrido à companhia que eu sabia dar-    -me maior tranquilidade! A mente humana?! Seria?  

 

 

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publicado por Milú Ruas Basso às 23:47

HÁ HISTÓRIAS... E HISTÓRIAS! - MEMÓRIAS (5)

Quarta-feira, 29.11.17

5. TEMPESTADES

 

As trovoadas e os relâmpagos geram susto e medo a muita gente. A mim também! E escusam de me explicar o fenómeno. Escusam de me dizer que não é o trovão que é perigoso. Escusadíssimo! A teoria eu sei toda... Só que não consigo deixar de associá-los a véus transparentes, esvoaçantes, frios que me tocam e me atabafam. Véus de luz branca que reflectem raios de prata, dum azulado metálico... Assustadores!

Até a própria chuva me deixa uma sensação de insegurança. Não aquela chuva que delicia as crianças, com que tanto se gosta de brincar quando somos ainda pequenos. Não aquela que deixa no ar um agradável cheiro a terra molhada. Nem a que salpica a terra de lindas pocinhas espelhadas...Assusta-me aquela outra, grossa, que cai especialmente à noite, quando já deitados na cama. Aquela chuva forte atirada pelo vento que uiva zangado, como um assustador assobio. A que nos faz lembrar de todos os sem teto. Enregelados, ensopados...

Assustam-me aquelas noites em que clarões frios, de tão brancos, rasgam os céus e me cegam, em que os trovões me atordoam com o seu estrondo medonho. Como naquela noite em que dei graças por poder ir dormir com a minha Avó Branca. Acho que não teria sobrevivido sem a presença dela. Eu não parava de tremer, mesmo com ela a consolar-me, a animar-me: " É tão reconfortante estar-se no quentinho a ouvir cair a chuva sem que ela nos possa molhar! Além disso passado o relâmpago, o trovão indica tréguas...  E o vento? O que é que tem? Estamos aqui entre os cobertores, confortavelmente deitadas, ou não? Afinal estamos em casa, em segurança!"

Em vão. Eu continuava a atabafar entre véus brancos, frios, esvoaçantes. Que nem via. Que apenas imaginava. Felizmente a tempestade acalmou. E eu também...

Tentei explicar à minha Avó o que sentia. Era mais que pieguice. Era-me totalmente impossível sentir segurança... Só via perigo. Via-me deitada, sim, mas num sítio sem paredes que me protegessem ou com paredes tão brancas que me assustavam. E eu deitada numa caminha pequena, apertada! Só via véus. Muitos véus. Sopravam forte. Batiam-me na cara. Sufocavam-me!

A minha Avó olhava-me espantada. Tinha-se lembrado dum episódio ocorrido há muitos anos. Lembrou-se dum dia cinzento, na antiga casa de Belém. Eu dormia no berço junto duma janela entreaberta. Subitamente começou a chover. Levantou-se uma forte ventania. Ninguém se lembrou que me tinham deixado junto da janela. Todos tinham ido lanchar para a sala de jantar. Ventos, relâmpagos e eu ali!

Julgo que terei gritado. Chorado o choro amedrontado dos bebés, conscientes da sua impotência, assustados com a sua pequenez. Indefesos!

A janela tinha-se aberto de rompante e batido, com força, nas paredes. Certamente terei gritado ainda mais alto. Enquanto tive força... Os cortinado ondulavam sobre mim, ameaçadores. Muito brancos.

Quando deram por mim, tiraram-me de perto da janela. Não tinha tido importância! Eu já me tinha calado e parecia calma!  Talvez até demasiado calma, para meu gosto!!! Olhos bem abertos! Mas estava quentinha. Tudo se tinha passado num ápice!... A mim pareceram-me, seguramente, séculos...

Espantoso como tudo acabou por ser lembrado ao fim de todos aqueles anos... Tanto eu como a minha Avó estavamos espantadas,  sem saber se os factos estavam, mesmo, relacionados... Será que eu tinha retido na memória, no subconsciente, tudo aquilo?  Tantos anos? Improvável, diziam todos. Como, se eu ainda dormia no meu carrinho de bebé nessa altura?... Impossível!  Eu não teria mais que seis meses!...

O facto é que, ainda hoje, se chove quando estou na cama, o meu primeiro cuidado é cobrir a cabeça e fechar bem os olhos, não vá voltar a ver os tais véus esbranquiçados que ainda hoje não param de esvoaçar e me roçar na cara...  

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publicado por Milú Ruas Basso às 21:52

PASSEI POR CÁ - 1997

Segunda-feira, 10.12.12

Tudo continuava escuro. Uma escuridão densa, tão compacta que estimulava a fazer-se o esforço de chegar à luz.

No entanto, um sentimento contraditório retardava a conquista da claridade ambicionada.  Luz, fonte de vida,  felicidade e alegria? Ou luz, esperança enganadora dum bem fora de alcance, sonho-pesadelo prestes a virar realidade? Ou, antes, escuridão pesada, feita de medo e sofrimento?

Seria luz? Ou um negrume feito de segurança e paz? Ou talvez repouso tranquilo de quem junta forças com que enfrentar embates, lutas, desenganos? Ou seria medo de abandonar a serenidade?

A grande decisão! Seria minha, de facto?

Alguma coisa parecia empurrar-me. Quem sabe a ânsia pela novidade, a curiosidade pelo desconhecido. Ou seria eu a refrear o que me impunham?

Como um turbilhão, algo me impeliu!

Finalmente a claridade! O encadear da luz, sem nada ver.

Em segundos a vontade de voltar para trás, a esperança de ainda ir a tempo. A sensação duma forte ligação a um outro tempo, a um outro lugar!

Subitamente, de novo  como que o mergulhar no escuro! Ou na luz?

Algo se tinha solto. Estava livre. Ou estaria presa, por já ter sido livre, antes?

Gritei! Um grito entre a alegria pela liberdade, talvez, alcançada e a angústia da prisão inevitável, irremediável e iminente.

Olhos deslumbrados que me olhavam para além do que estavam a ver. Olhos que não sentiam a minha angústia.Ou talvez já estivessem esquecidos do longo caminho percorrido, inconscientes do meu pavor pelo desconhecido pressentido ou, por instinto, relembrado. Lembranças vagas, ainda não totalmente esquecidas, de muitos passados vividos (quantas vezes, tão doridos).

Qual espectador atento a um espectáculo inédito, resolvi pôr de lado todo o medo do incerto, decidida a saborear mais esta nova experiência, Mais esta nova viagem. Determinada a, de cada momento, retirar o melhor.

Para começo, era um belo dia de Dezembro. Um frio penetrante fazia-me apreciar o calor da roupa com que dele me quiseram preservar. Começava o dia 27. Em pequenos flashes várias ideias ocorriam soltas, sem grande significacdo. Ora angústias, ora expectativas saltitavam indefinidas. Vinte sete? Noves fora nada! Noves fora nada?

Noves fora nada?! Pensamentos que, a partir de então, aprendi a pôr de lado. Há que ser positivo. Há que acreditar. Estava-se em 1942. Para trás o horror da guerra. Para a frente, a esperança de nunca mais  outros horrores.

 

2)

 

O primeiro de muitos amanheceres foi, no mínimo, aterrador.

Onde estaria eu? Mais parecia um laboratório de tantos outros como eu, chorando assustados, desenraizados.

A lembrança de outras lembranças punham em risco a tentação de querer a experiência desta mais-outra-vez.

Uma ligeira paragem, para um breve ponto da situação, devolveu-me um pouco da segurança e lucidez. Vários olhos cheios de ternura e amor fizeram o resto. Também estavam aqui e quantos tão inseguros como eu. Muitos irmanados dos mesmos receios, das mesmas memórias dum esbatido ontem. Quantos participantes duma mesma história contavam comigo para dar mais sentido a um àmanhã ainda nebuloso.

A sensação do "ainda-há-tempo" foi afugentada. Quatro olhos doces, extasiados, punham em mim esperanças a que provavelmente não tinham direito. Senti-me impotente para lhes negar a hipótese do que julgavam ser a felicidade. É triste ter-se consciência de que não se tem nada na mão! Felizmente poucos sabem ler as letras do pensamento. Sorriam-me, tomando por sorriso um esgar triste, conformado, que os meus lábios não conseguiram esconder.

E, assim, comecei o jogo do "faz-de-conta", esperançada que no atordoamento de um dia atrás do outro parte desta minha realidade, ainda consciente, também se desvanecesse.

Bebia a minha força na doçura de inúmeros olhares amigos, em especial daqueles quatro olhos que senti já conhecer e amar de outros lados.

Sem escolha.

Já fazia parte desta história que todos teimavam em chamar vida.

Sem revolta. Todos se empenhavam em partilhar comigo o que de melhor iam ou tinham conseguindo. Todos demonstravam, com mais ou menos exuberância, o quanto faziam questão da minha presença cá.

Tentei esquecer os medos.

Tentei ver pelos olhos deles. Seria difícil para quem guardava memórias, ainda nítidas, de outros tempos pouco fáceis.

Mas quem sabe? Segura, apenas estava de não poder conseguir enfrentar a decepção em olhares tão confiantes. Talvez,  com todos, conseguisse com o bom ignorar ou esquecer o mau.

E, afinal sempre fiquei por cá!

 

3)

 

Fiquei por cá!

Fui tentando, temperando a vida, adoçar a de todos ou, pelo menos, de alguns.

Os dias encadearam-se. Uns bons, outros menos bons.

Pensamentos contraditórios tomavam-me de assalto, constantemente. Alegre a atenção que todos me votavam ou pesada e monótona a sujeição a que me condenavam, por muito de mim quererem?

Decidi ir aceitando o que a vida me dava. Impaciente, quantas vezes,. Assustada, outras tantas. Decepcionada, muitas outras. Felizmente a pouca idade não me deixava tomar consciência de tudo.

Perto de cinco anos passaram. Um companheiro de brincadeiras vinha a caminho, Estava para chegar o meu irmão. Em breve as atenções dispensadas teriam de ser divididas com este novo visitante.

Era lindo mas mal o vi notei o que mais ninguém viu. Também ele sentiu a tentação do regresso... Olhava-o e via nele tanta indecisão... Teve a vida por um fio. Foi com dificuldade que conseguiu vencer a Dermatite Esfoliativa de Rittel.  Mas ao fim de cerca de um mês de o tentarmos guardar, foram finalmente vencidas as barreiras da incerteza. Afinal ele também ficava!

Brincámos muito. Guerreámos outro tanto. Divertimo-nos. Saboreámos os dois o descobrir duma vida nova. A nossa pouca idade aproximava-nos. Ainda não estavam tão longe assim as memórias de outras viagens. Éramos cúmplices. Imaginávamos novos tempos, inventavamos outros habitantes para povoarem os nossos universos. No entanto, estou certa que ambos pensámos sempre reservar, em cada uma das nossas vidas, um lugarzinho de que o outro nunca seria excluído.

A vida foi passando por nós e estivemos sempre bem presentes nas histórias um do outro, felizes com a felicidade do outro, doridos com as dores de cada um.

Brincávos, fazíamos músicas e teatros. Desenhavamos e escrevíamos.

Bem dentro dos nossos olhos cada um tentava ver imagens de outros tempos, outros lugares em que, certamente, tínhamos estado, de que seguramente tínhamos sido actores. Na mesma ou em histórias diferentes.

 

4)

 

Teriam sido sempre estes os nossos papéis? Fui filha, neta, irmã, sobrinha. Também prima. Cinco anos depois do meu irmão foi-me dado extasiar com a vinda duma nova prima - a Branquinha. Foi deslumbrante vê-la crescer na barriga da Tia Laurinda. Foi ternurento ver a ternura nos olhos babados do meu Tio Fernando. Foi apaixonante olhar aquela carita morena, muito redondinha, enfeitada por um lindo par de olhos negros.

Eu seria algum dia Mãe? Algum dia teria sido? Qualquer coisa mo confirmava. Este meu sentimento maternal para com todos fará certamente parte doutras experiências difusas nas minhas recordações. Quantas caras conhecidas de gente que penso nunca antes ter  encontrado!

Fui passando despercebida pela vida. Nunca estive bem certa do meu papel. Cá? Lá? Estudei sempre numa indecisão. Médica? Professora? Acabei por resolver ensinar, num impulso. Inglês. Sempre foi uma língua que me pareceu familiar. Ocorria-me sempre estar a recordar a cada nova palavra. Mas fiz tanta coisa... Fui dactilógrafa, secretária, correspondente. Trabalhei em publicidade e Dietética. Fiz um livro; uma revista. Participei noutras. E em jornais. Modelo barro. Pinto aguarelas. Nunca me permiti estar inactiva. Entre cada nova decisão ainda cozi, cozinhei e tricotei. Também para os amigos. Só quis ir sempre seguindo, não magoando ninguém. Talvez numa tentativa de também não me magoarem a mim.

Tentativa frustrada. Muito cedo experimentei a dor da perda, do afastamento. O meu Avô teve de deixar-me. Tinha eu pouco mais de um ano. Foi duro. E incompreensível. Sem ele, porquê? Ele que até me ensinou a andar?! Terá sido também difícil para ele? Hoje, espero que não. Na altura, a sensação de abandono era tão insuportável, quase palpável, que o queria castigar. Mas o meu amor por ele era mais forte. Via-o em todo o lado. E ele sorria-me! Todos tentavam animar-me com um "Felizmente ela não entende! É tão pequenina..." De facto, não percebi nunca. Mas doer, doeu muitíssimo. Ele sorria-me aqui, ali. Continuava a sorrir e eu sem entender.

Quando pensava ter esquecido o peso dum abandono, os meus Pais partiram para África com o meu Irmão. A dor foi felizmente um pouco anestesiada pois passei a receber toda a atenção e amor duma Avó e duns Tios empenhados em dar-me a conhecer da vida apenas o melhor.

Durou pouco. Também eu fui para África. As lembranças desse tempo são um pouco desvanecidas. A memória por vezes prega-nos partidas destas. Negou-se a registar, nitidamente, até os momentos felizes. Penso que devo ter tido alguns.

Os meus três velhinhos, a Avó Branca, o Tio João e a Tia Emília, lá longe, em Portugal, sofriam. Não aguentavam a minha partida. Os meus Pais resolveram abrir mão da nossa companhia e corrigir uma injustiça. Regressámos de barco eu e o meu irmão. Um entregue ao outro. Os dois entregues a mim... Eu tinha oito anos. Ele, três. Um mês depois de pisar terra firme e nos sentir seguros ainda acordava a meio da noite a vê-lo cair à àgua!

Infelizmente não chegámos a tempo. O meu Tio João tinha morrido. De saudade. É difícil definir a dor. Era músico. Maestro. Antes de partir para África passava os dias a ouvi-lo e a vê-lo  tocar. Até hoje é-me quase impossível não associar música a tristeza.

Acho que só a música que oiço tocar ao meu filho Paulo, também ele músico (baterista), me soa a felicidade, ritmo e alegria. Talvez por sentir que há ali algum recado, um "olá" amigo de alguém a quem quis e me quis muito. Talvez a esperança de conversas adiadas. Talvez o confiar num adeus não definitivo.

Talvez um dia não volte a sentir a música como uma intromissão nas minhas memórias. Talvez um dia volte a sentir a música a embalar-me os dias, a vida.

Talvez um dia...

 

5)

 

Talvez um dia consiga entender a morte. A morte inevitável, depois da vida. Obrigatória! Até hoje não consegui.

O meu Pai morreu. Tão novo! Partiu com a certeza que tinha muito para dar, para nos ensinar. Tinha 44 anos. Partiu, desconfiando ou sabendo mesmo, como eu queria aprender com ele. Partiu triste por ele, por nós. E eu fiquei. Certa da perda enorme que queriam que eu aceitasse e nunca pude. Ainda hoje! Mesmo agora. Como eu queria poder transmitir  aos meus filhos como era aquele outro Avô que nunca conheceram! Há como que uma culpa escondida de não lhes dar aquilo a que tinham direito. Mais um Avô amigo, companheiro. Alguém que aprendeu a viver sabendo sentir o sentir dos outros. Mas não posso. Ainda não consigo falar nele.

"Não se aceita um NÃO por resposta! E impossíveis? Nunca!", era o lema dele. Fazia dele uma bandeira. Para tudo. Na vida. Na doença. Até na morte. Concerteza foi por tal lema que a retardou. Só desistiu dele por cansaço. Certamente menos pelo dele que pelo nosso. Cansaço, um enorme cansaço, de nos ver sofrer.

Tentei aprender com ele; tentei fazer do dele o meu lema, também. Levei a vida para a frente. Apenas o não definitivo a poder tê-lo junto de nós teve de ser aceite! Nem, algum tempo antes, a decisão da minha Mãe de sair da nossa história me doeu tanto. No caso dele, o impossível foi sempre vencer a dor de não o ter.

Desta vez, além da dor da perda, fugiu-me o chão, o ar! Senti que quem me tinha trazido me deixava à deriva, a meio do percurso. Desisti, quantas vezes! A amizade de tanta gente amiga foi-me guiando. A preocupação nos olhos de todos, a angústia no olhar do meu futuro marido fizeram-me sentir que eu lhes devia a todos o continuar a viver a minha vida. No entanto, via-me ao espelho como um pássaro, saltitando, à procura dum novo ramo para pousar depois do voo. Insegura.

Aos poucos fui aprendendo a galgar espaços à procura dessa segurança, ainda que aparente. "Chegar" ao meu Pai! O que diria ele? Aprendi a imaginar ouvi-lo e a responder-lhe: "É assim, é. Vou por ali"! 

Aliás sempre tive a sensação que a vida é o Jogo da Opção. Há sempre duas a ponderar. Cabe-nos optar por uma. Infelizmente, nem sempre a melhor.

Mas esta "técnica" tem-me ajudado. Não desisti de recorrer a este apoio, talvez imaginário. É confortante dividir responsabilidades com alguém. Principalmente para quem, sem preparação alguma, sentiu que passava a ser responsável por si própria. E por um irmão mais novo, certamente ainda mais à deriva que eu. Felizmente ele também quis aprender cedo que a vida tem que ser feita por nós, ainda que nos sirvamos das muletas a que nos queiramos agarrar. Viveu-se a pulso; esperançados que pode haver um bom amanhecer após uma noite de borrasca.

Casei e fui feliz. O meu Irmão também. Creio poder dizer que formamos os quatro uma boa equipa. Todos querendo o melhor para todos. Desconfiados de que alguém ou alguma coisa nos vai guiando na tal escolha.

Diz-se que cada vida é uma árvore, cada ramo uma outra etapa. Diz-se que por vezes há árvores, como os homens, que se entrelaçam para que dos seus ramos fortes brotem os mais belos frutos. Cinco dos nossos ramos deram frutos. Dois deles cairam, desistiram. Mas...três vingaram! Acreditaram poder sobreviver, por não estarem  sós. Também o meu irmão e a minha "irmã" (que na realidade é minha Prima) tiveram três novos frutos. Um pouco também nossos.  

E todos esperando que também esses frutos venham a dar um dia as mais belas árvores. Se quiserem... Só um dos três ramos da minha árvore deu mais um fruto. Dos três ramos da do meu irmão, só um deu dois frutos e outro, um. Quanto a mim espero incentivar todos como o meu Pai me fez sempre: "Impossíveis? Nunca!"

E é assim que tenho tentado levar a minha vida por diante. Aceitando, por vezes, o que ela me vai dando mas esperneando outras tantas por não aceitar como únicos possíveis os impossíveis que, embora esforçadamente, se vão ultrapassando. E, no fim, quero mesmo acreditar que muitos dos impossíveis deixaram de o ser, pelo menos, para mim. Mas quantas vezes me tenho interrogado se já aprendi a vencer esses impossíveis ou apenas a preferir os possíveis.

De qualquer modo, quero acreditar que impossíveis para mim, hoje são poucos...Muito poucos! Basta querer vencê-los. Só poucas barreiras ainda serão impossíveis de transpor.

Evidentemente, ainda não sei aceitar a "presença das ausências". Ainda não posso encarar o sofrimentos dum olhar amargurado ou os olhos nublados das crianças. Certamente também não poderei aguentar a falta de protecção daqueles que sempre me quiseram e eu quis. Talvez nunca chegue, mesmo, a tentar vencer tais impossíveis. Haverá, então, que fingi-los possíveis, para sobreviver. Para eles haverá apenas que encontrar o possível que o impossível nos permita. E, sobretudo, há que aceitar que inevitavelmente haverá impossíveis mais impossíveis que os outros...

Será que alguma vez os iremos vencer completamente? Será que apenas os conseguiremos contornar ou ultrapassar? Seria esta a verdadeira lição do meu Pai? Ignorar impossíveis e lutar, com unhas e dentes, até concretizar todos os possíveis da vida, por muito difíceis que nos pareçam?! Se for assim, tenho tentado!

Sofri dores de tantas, tantas ausências mas fui seguindo. Avós, tios, primos. Filhos! Filhos que nunca vi! Sofri por mim, por nós, por tantos pais de filhos desaparecidos. Sofri por sofrer e ver sofrer.

Quantas vezes olho as árvores e me revejo nelas, sangrando pelos galhos arrancados. Infelizmente, delas, em mim, não revejo o sofrimento resignado, a calma conformada de quem sabe olhar o céu e para ele erguer os braços, esperançados e, quantas vezes, das dores agradecidos. Tão imponentes nos seus ramos retorcidos pela luta de crescer, de acreditar. Cada presença tornada ausência ao longo duma vida é uma chaga que sangra o sangue da saudade. Nunca estanca. É uma peça teatral a que faltam personagens. Notam-se falhas... Sempre!

Afinal, se pensar bem, terei de admitir que ainda não serão assim tantos os impossíveis que terei sabido vencer! Nem com o exemplo das àrvores! Nem com o conselho do meu Pai! E dividida nesta eterna indecisão entre teimar vencer impossíveis, ultrapassar os possíveis ou conformar-me com os inevitáveis vou prosseguindo, a admitir, a custo e de vez em quando, a realidade da minha enorme incapacidade. 

Mas não desisto. Tento, talvez, por enquanto, ainda de braços caídos. Tão longe, ainda, do exemplo de força dos ramos erguidos, agradecidos ou conformados por cada machadada. Seguros de que cada pedaço decepado não significa mais que o fortalecer duma nova fase do crescer.

Ainda estarei longe de, orgulhosamente, erguer os braços! Ainda não está perto o aceitar e saborear a dor que me irá assaltando no caminho.

Talvez ainda um dia consiga, mesmo, vencer todos os possíveis e impossíveis com que a vida me for surpreendendo.  Por enquanto, ainda não...! 

 

6)

 

De facto, de quantos impossíveis se faz uma vida? Quantos pensamos ter ultrapassado ou, pelo menos, ir ultrapassando? Com quantos voltamos a deparar, bem presentes, reais e insolvidos, num próximo virar de esquina?

Como é difícil admitir falhas a um filho! Como dói encarar-se as de um amigo! Como nos envergonham as dum companheiro! Mais que as nossas... Às vezes, como nos olham decepcionados ao terem que relevar as nossas faltas , esquecendo-se de como os desculpámos ao longo de toda a vida. Evidentemente, gostavamos que nos julgassem perfeitos ou de merecermos sê-lo! Por outro lado, como custa vê-los maltratados ou sem que o seu valor seja reconhecido!

Como me sinto por vezes decepcionada, também eu. Pela vida. A cada hora... Como ela é feita de incoerências, de contrastes. Como a beleza comovente da Natureza pode esconder a dureza, a crueza do viver!

Realmente a vida vai-me surpreendendo a cada passo. Pouco entendo dela, poucas previsões vou tecendo... Nada se pode ter como seguro. Nem a dor... Surpreendentemente, o tempo encarrega-se de, inesperadamente,  nos livrar dessa dor ou de a suavizar. 

Para tantos ela é pouco mais que a luta diária por um poder que a ninguém pertence e muito menos indefenidamente. Só a morte está ao alcance de quem vive! Duma forma firme e determinada. Definitiva? Talvez nem isso... 

Por vezes é-se surpreendido e agredido por palavras como bem e mal, razão e culpa, dever e direito, recompensa e castido... Perdemo-nos em conjecturas sobre onde acabará um e começará o outro. Dor de cabeça desnecessária... já que é difícil situarmo-   -nos no limiar de cada uma. Será o bem para recompensar e o mal para castigar? Sempre? Ou será, por vezes, o contrário? Talvez em determinados ciclos da vida nos seja dado o prazer de ver punir o prevaricador. Mas é bem mais corrente suportar a mágoa e a revolta profunda de presenciar, a cada passo, não ser recompensado quem merece.

Mas...não é verdade que se agride quem mais se ama? Não é vulgar premiar, quantas vezes injustamente, os mais fortes só por serem mais fortes, sem olhar a razões? E com que facilidade se agride o mais fraco, sem sequer se ponderar se será o mais disposto e disponível!

Mas vai-se vivendo, em anestesia, à espera de, com uma migalha, se poder matar a fome do mundo...

E é nesta luta contra tantas interrogações e dúvidas, de impossível resposta, que se vai levando por diante a longa caminhada. E será, seguramente, com o objectivo de encontrar  caminhos melhores, mais justos, para nós próprios e todos os que nos são queridos, que teimamos continuar a nossa procura, sem fim, de novos "trilhos".

E como eu quero alisar o caminho dos meus! Mas quantas vezes os vejo tropeçar... Como gostava de rumos e venturas iguais para todos e como são diferentes os seus destinos! Como será possível aceitar e compreender as dores dum, pela alegria doutros?! Como é possível entender a agrura e o sofrimento face à beleza da felicidade? E no fim de contas, assim, como é possível a coerência?! 

 

7)

 

Coerência? Aqui?  Seria preciso viver muitas outras vidas... Mesmo assim, haveria o risco de ter que se concluir que ela não existe, de facto! Pelo menos, por aqui...

Começando pelo "nosso mundo". Na nossa casa as diferenças entre todos é marcante e não é o facto duns terem olhos castanhos e outros azuis, duns serem morenos e outros loiros. A verdadeira diferença reside no que cada um quer da vida, da maneira de estar e de ser. O leque de interesses é vasto. Saltita-se da Publicidade para as Leis, da Música para a Pintura e o Desenho, da Matemática para o Turismo e a Hotelaria, da Modelagem para as Línguas, da Culinária para a Escrita... Há os que estão, nitidamente, dirigidos para uma única tendência e os que, como eu, saltitam dumas áreas para as outras. Mas como elo há talvez a preocupação e cuidado por tudo que se refere à Natureza e aos animais. Uns duma forma mais sensível, outros duma mais racional.

Coerência, assim? Um pouco difícil. Mas talvez a verdadeira coerência da Humanidade seja a total incoerência do Homem. À medida que se vai atingindo o estado adulto, vai-se  caminhando para a incoerência total. Só consigo ver alguma coerência nas crianças, nos animais... São autênticos, gostam de quem lhes quer bem. Odeiam quem lhes faz mal! Choram quando desconfortáveis, riem quando felizes!

Uma observação mais atenta ao mundo adulto e fica-se com a sensação de se estar a entrar num hospício. Por vezes a carga de insensibilidade que põem no dia-a-dia, especialmente no relacionamento com quem nenhum mal fez é revoltante. E, no entanto, são capazes de se humilhar ao peso duma arrogância. A minha reacção a tal? Por vezes uma incoerente e aparentemente indiferente gargalhada nervosa talvez para descongestionar! Outras, uma revolta condenável, admito, por primitiva e irracional.

Regateiam-se tostões. Gastam-se verbas avultadas para ir pintar unhas dos pés que, por sua vez, se cobrem com sapatos (de preferência caríssimos)! Alisam-se uns cabelos, frisam-se outros. Ondulam-se e pintam-se sobrancelhas, rapam-se outras! Por vezes sofre-se para nascer e para morrer! Regateia-se um copo de leite a uma criança faminta enquanto se empanturram e mimam outras! Deixa-se morrer, maltrata-se ou abandona-se animais enquanto se gastam fortunas em hotéis para cães que vão ao requinte de os brindar à entrada com uma fresca e borbulhante taça de champanhe! São "brancos" a desprezarem "pretos" pelo seu tom de pele e a passarem horas à torreira de sol para lhes copiar o aspecto. São "pretos" a abominar os "brancos"  e a sujeitar-se a mil tropelias (alisar,descolorar e tingir o cabelo, empoar-se e despigmentar a pele, eu sei lá que mais...) para se  parecerem com eles. São jovens a insurgir-se contra este mundo de aparências e futilidades em que vivemos e a enfeitarem-se todos (pintalgando,cara e corpo, enchendo-se de preguinhos, brinquinhos, argolas, berloques, roupas extravagantes, etc.) para assim chamarem mais à atenção do parceiro do lado! São os que gastam verdadeiras fortunas em roupa de marca para a ostentarem, orgulhosamente, esquecidos que não são mais que farrapos que eles próprios esburacaram se é que não compraram mesmo assim! É gente a comer à bruta mas preocupada com dietas! São uns tantos a sofrer por não poder ter filhos e outros sem ligar nenhuma aos seus ou a metê-los, à nascença, nos contentores de lixo depois de os matar! São uns a lutar para se mudarem da "pasmaceira" das aldeias e outros, fartos do movimento da cidade, a fazer tudo para de lá sairem! São os que dão tudo para ir viver nas grandes capitais e passam a vida a queixar-se de stress! São os que flagelam e matam pessoas para que elas não venham a sofrer mais tarde! São os que se drogam em busca dum mundo melhor, caminhando para a mais completa destruição! São os que se dizem fartos de viver, mas vivem, em pânico, com medo de morrer. Os que se matam com medo de morrer. Os que optam por viver uma vida de sacrifício e miséria, a amealhar,  enquanto têm saúde, para se poderem vir a sentir ricos quando estão com "os pés para a cova"! Os que vão "aferrolhando" mesmo com a família a passar privações para lhes poder deixar "tudo" depois de morrer, esquecendo-se não só que nem sempre são os mais velhos que morrem primeiro, ignorando também como é bom sentir a alegria de dar e poder ver o reconhecimento e a alegria nos olhos de quem recebe!

E... há os que, como eu, têm a incoerência e a pretensão de tentar viver a vida, coerentemente!!! Determinada e obstinadamente, tentam mover montanhas mesmo sabendo (ou desconfiando...) que elas continuarão paradas. E que assim permanecerão, enquanto o mundo for mundo!

E, eu, um pouco perplexa, cá vou ficando...

Até quando?                  

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publicado por Milú Ruas Basso às 22:30

DE PENA NA MÃO, SOLTANDO AIS (2) (3)

Terça-feira, 04.12.12

2. SAUDADES DO FUTURO

 

Como discordar ou, pelo menos, duvidar da sua sabedoria?! Impossível, quanto mais não seja por sobrevivência... Dizer que "tenho saudades do futuro" é admitir a esperança num mundo melhor. É até aceitar que essa esperança é possível. Mas assente em quê?No mundo e na humanidade... E, especialmente, em nós próprios e na vida!

Afinal não aceitar porquê? Não nasceremos nós para ir ao encontro dum mundo prometido?  Caso contrário, se este fosse a nossa meta faria algum sentido? Mas prometido por quem? Não foi por esse Deus em que  tanto confiamos e a quem recorremos sempre que precisamos? Não confiamos, nessas alturas, que Ele é o guia perfeito? Certamente não será para caminharmos ao encontro deste mundo desejado mas ameaçado em que nos é dado participar! Até porque, em cada ser humano se pressente uma memória longínqua dum outro espaço e tempo prometidos, dum outro estar, muito, muito melhor que o ter que há a enfrentar nesta nossa dimensão. E saudades de quê afinal, senão do melhor?!

Mas, estará Ele de facto certo? Hoje, aqui e agora? Fome, violência, desamor...cada vez mais! E a caminhar para onde? E seria, esta,  realmente de esperança a mensagem dele ou duma ânsia de conformação?!

Por vezes sonhamos com cenários em que nunca estivemos antes e são tão reais! Outras vezes ao visitar um local pela primeira vez ficamos certos de já lá ter estado. Ainda outras, sentimo-nos pairar, sem que consigamos pousar. Será que andamos à procura do tal mundo novo, prometido, que outrora conhecemos algures ou dele ouvimos falar? E será que esse mundo é mesmo novo? Ou estaremos, antes, a relembrar um passado de que nem queríamos ter saído? Esperança ou o fim dela? Depois espera-nos tudo? Ou nada?!

Será o simples acto de pensar e conjecturar a procura desse tal local ideal tão difícil de achar, por estar a tantas, tantas milhas de nós? Mas se dele há esperança por quê recear a morte? Não nos serviremos dela para o querermos irmos alcançar? Ou será que, ainda em vida, poderemos para ele encontrar o rumo?

Conjecturas!

Mas a verdade é que, quanto a mim, já ando um pouco desesperançada da procura neste lado da vida. Vou-me contentando com o dia-a-dia, acreditando que o melhor é mesmo ter saudades dum futuro de paz, caridade, justiça e humanidade a que, quero acreditar, ainda todos teremos direito.

Mas a desesperança é cada vez mais palpável... Humanidade?... Caridade?...Paz? ...Justiça?...

Está tudo tão longe!!!

 

 3. AMORES

 

Amor... Aquele sentimento que todos acham lindo. Muito nobre, puro, límpido e cristalino... Associam-lhe as mais belas palavras. Todos o procuram mas quantas  vezes nos confunde por isso mesmo, por ser confuso; mas que uns ora endeusam ora adulteram e até maculam. Outros há que até o  consideram lamechas e piegas. E, no meio de toda esta confusão, o facto é que todos o procuram sem nunca desistir... perseguindo um significado que nem sempre será o verdadeiro. Paixão? Loucura? Amizade? Dedicação? Quantos acabam por nunca o sentir de facto, na terrível ânsia de o explicar; de definir a tal sensação de plenitude, entrega e reciprocidade!

É tão difícil de entender, de fechar numa única palavra! Tudo é amor...

Será? Será amor aquele sentimento quase sobrenatural que nos une a alguém? Será apenas o que surge da união ou confronto entre dois seres? O que une um casal? Pais e filhos? Familiares e amigos? Até, animais e pessoas?

Será sentimento ou química? Exaltação ou serenidade? Dedicação ou ciúme? Ou, apenas, afinidade? Terá fases, facetas? 

O que me parece óbvio é que não pode ser quantificado. Há quem dê tão pouco e receba tanto! Há os que são explorados ou se deixam explorar ainda que sempre persistam numa entrega total, quantas vezes apenas por recearem ter que pagar o preço de perder o pouco que julgam ter encontrado. Há os que nele se acobertam para melhor explorar a vida. Sugam o repouso dos outros, a paz e a liberdade. Arrancam-lhes tempo, maneira de estar e de sentir. Arrancam-lhes o ser! Há os que tudo tiram! Os que tudo dão! E todos dizem que o fazem...por amor!

Será, então, doença? Ainda há tantas por descobrir e a que dar nome... Mas o que quer que seja, a verdade é que, às vezes, dói... Será mesmo doença ou apenas desequilíbrio...?! Senão por que para uns é dádiva e para outros traição, exploração, abuso, egoismo. Será um distúrbio? Ou vários?

Serão várias as doenças de amor? Serão vários os amores? Ou serão também desamores?

Tanta pergunta sem resposta! Talvez por serem tantas as formas de o dar e, mesmo, de o receber! Para uns representa tanto sacrifício sem qualquer reconhecimento. Para outros nunca vai mais além do prémio sem a obrigação do agradecimento. Não tem medida. Não se quantifica.

E todos persistem em persegui-lo para o tentar "agarrar". E todos teimam em considerá-lo a grande força que move o mundo, o verdadeiro alimento, a energia que nos mantém vivos.

E o tempo passa e todos continuam à procura! A sobrecarregá-lo com uma carga bem maior que a própria palavra. O que lhe irá tirar  toda a simplicidade... E enquanto isso, uns conformam-se com o que dele descobriram, outros nem agradecem o que com ele conseguiram. E quantos de nós nem entendem que o enorme esforço de tentar perceber e aceitar também pode ser amor...

Aceitemos o que dele sabemos ou pensamos saber. Para mim amor é o que é - AMOR! Por muitas que sejam as maneiras como é entendido e as formas como é praticado. Amor é sensibilidade, dedicação, dádiva... Não tem cargas negativas nem pode ser medido ou pesado! É pena, mas não é viável a miragem do amor dado, amor recebido. Pesos iguais? Impossível! Mas...quem sabe?! Talvez um dia...

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publicado por Milú Ruas Basso às 15:19

DE PENA NA MÃO, SOLTANTO AIS (1)

Sábado, 01.12.12

A partir de 1994/95, passei a vida "de pena na mão", praticamente a tempo inteiro. Felizmente, nem sempre "soltando ais" porque também não tenho muito feitio para viver "em vinha de alhos". Escrevo como sai, como sinto no momento - umas vezes em prosa outras em verso. Muitos desses versos foram compilados em 2007 em RUMOS SEM RIMA, num momento muito difícil da minha vida, quando morreu o meu irmão Álvaro. Agora está já "na forja" o RIMAS SEM RUMO, também de versos.

Este DE PENAS NA MÃO, SOLTANDO AIS foi praticamente escrito em prosa e traduz pouco mais que impulsos de momento.

 

1. GRITANDO EM SILÊNCIO

 

Almas que não sentem para além do que se vê! Com os olhos... Olhares que não enxergam. Corações que pouco ouvem. E como, tão próximo, não ouvir cada grito, cada pedido de ajuda, ainda que mudo?! Choca que tantos queiram não ouvir! Tantos...que são maioria.

A mim, quantas vezes me dói mais a certeza da dor pressentida e do desânimo adivinhado num olhar mudo e fechado que o ribombar da queixa clara, forte, quantas vezes insofrida! 

Quantas vezes também gostava que me ouvissem! Tão bom o apoio! Tão confortante a compreensão, irmã!

Quantos lamentos emudecem em nós! Tantos, pelo medo de mais uma vez não serem escutados, atendidos. Pior, de nem serem considerados ou compreendidos. Tantos pelo receio da indiferença.

É dura a troça, mordaz, quando se aguardava a palavra amiga. É insuportável o enfado quando se espera o entendimento e a compreensão.

De que serve "receitar" calma? Distraídamente! É árido. Como alcançá-la, solitariamente? Por que não o conforto da mão amiga em momentos mais desanimados?

Calma, como cura para a dor é como oferecer um rebuçado para matar a fome a alguém...

TEM CALMA sem o conforto da palavra amiga, sem o embalo dum colo aconchegante é mais que desencorajador.

É enervante!!!

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publicado por Milú Ruas Basso às 21:53

VIDAS

Sábado, 01.12.12

Um dia, de manhã, senti-me sózinha. Era aquela sensação de que os filhotes estavam quase prontos a sair do  ninho! Cada um com a sua vida, dum certo modo, fora da minha. O Pai e os dois mais novos tinham saído para os seus afazeres e eu fiquei a saborear os ruídos habituais do Paulo, o nosso mais velho, também a preparar-se para sair. O micro-ondas, o esquentador para o banho, o bater da porta do quarto. A seguir a corrida escada abaixo e o beijinho, meio distraído, da praxe. E eu lá fiquei à espera de dar a primeira aula enquanto ouvia , atordoada, o silêncio da casa.

Como tinham crescido! Então o Paulo estava um homem! Longe iam os tempos dos devaneios, das distracções, do sonho...

Estavamos em 1994. Foi então, numa de retrospectiva aos bons velhos tempos que me surgiu VIDAS, que escrevi dum só fôlego.

 

VIDAS

 

"São horas. Cama, vamos lá! Já lavaste os dentes?"

O Paulo, olhos extenuados por gastar os dias à cata de coisas novas, olhou-me sem ver. Como era seu costume.

- "É chato 'acordarem-me' para ir dormir...Logo agora que as descobri! Parece mesmo que sabem o que andam a fazer. Será que sabem mesmo?! Umas vão, outras vêm. Olha, agora cumprimentam-se!".

"Paulo, então? Continuas na mesma. Nem o pijama vestiste... E os dentes?..."

- "Bolas! Onde ia eu? Já se cumprimentaram e seguiu cada uma o seu caminho. Pois, ali deve ser a casa delas. Ena! Agora sairam mais. Lá vão todas atrás umas das outras. E todas decididas! Saberão onde vão? Claro, encontraram comida e resolveram levá-la para casa. Será possível? Pelo menos vão todas carregadas em direcção àquele buraco; deve ser a casa delas... Há cada uma...Ainda dizem que os homens é que estão muito bem organizados!"

"Já arrumaste a mala da escola, Paulo? Também não, claro. Que desorganização a tua, filho! Ámanhã é que são as pressas. O quê? Continuas vestido! E os dentes? Se calhar ainda não os lavaste!!!"

- "Bolas! Bolas! Bolas! O melhor é despachar-me senão nunca mais estou em paz a observá-las... E lá continuam elas... Sempre que se cruzam, cumprimentam-se. Como é possível carregarem aquilo tudo? É tão maior que elas! Olha, lá vêm mais... Reforços! Será que vão mesmo conseguir carregar aquilo tudo? Mas, como é que comunicarão umas com as outras?"

"Paulo, é a última vez! Por que não fazes tudo à primeira? Continuas aí, na mesma! Não lavaste os dentes, não arrumaste os livros e nem, sequer, vestiste o pijama! Como podes ficar para aí, parado, sem fazer nada. Fazes perder a paciência a qualquer um. Anda lá, despacha-te!"

-"É verdade, que grande paciência! O que elas têm de se esforçar para levar e meter aquilo tudo em casa. De facto devia aprender com elas. Tudo combinadinho. Tudo direitinho. Até parece fácil! Juntam as forças e lá vão conseguindo. Os homens são, de facto, muito espertos!!! As forças que perdem em discussões, em guerras, em lutas... E querem que eu aprenda com os mais velhos! Não sei o quê! Finge-se... Às vezes penso que até posso aprender, mas 'desaprendendo'... Vejo por mim. Eu, pelo menos, pensava umas coisas mais giras há uns anitos atrás. E...melhor que tudo: deixavam-me em paz!"

"Paulo, é demais! Mas afinal o que estás a fazer? É que... nem penses! Não vais matar as formigas! Nem te atrevas!"

-"Claro que não, Mãe. Mas afinal também tens as minhas paranóias... Tanta coisa e estás para aí toda aflita a defendê-las. Chateias-te comigo porque estou sempre a falar em bichos e agora 'salta-te a tampa' por causa destes que mal se vêem...Eram os teus animais de estimação quando eras mais pequena, ou quê?"

"Se te contar desatas-te a rir! Quando era pequena era muito como tu. 'Viver a vida' era bem mais excitante que ir ao cinema. Observava tudo e, principalmente, pensava. Pensava no que via e imaginava! Tentava arranjar explicações para tudo o que não compreendia ou ninguém me explicava. Com a tua idade ainda não podia sair só, como tu já vais podendo fazer hoje com menos idade.Ocupava o meu tempo o melhor que podia. Via a vida. Fiz descobertas lindas. Também lia, lia muito. E o meu Pai ajudava-me porque fazia anotações nos livros de forma a entendê-los melhor. E eu tentava digerir tudo. Deixava voar a imaginação. Deslumbrava-me com os animais, com a Natureza. Mas os animais que mais me espantavam eram as formigas. Servia-me delas como exemplo sempre que queria vencer dificuldades. Se elas, tão pequenas, podia tanto, eu também! Eram os meus heróis, as minhas heroínas. Quantas vezes me admirei e entristeci com a indiferença com que eram olhadas. Um simples dedo duma pessoa era o suficiente para matar uma quantidade delas. Doía-me. O que se tinham esforçado para carregar um simples grão de açúcar para, a meio do caminho, serem paradas e esmagadas por um qualquer dedo distraído ou irritado. Teriam filhos? Alguém iria cuidar deles? Alegrava-me ver como pareciam entender-se bem. Acreditava e acredito que se ajudariam umas às outras. Nesses momentos animava-me o facto de não serem homens ou a coisa não seria tão simples! Ao longo dos anos tenho vindo a perguntar-me por que não terá o Homem percebido o significado da palavra entreajuda, sem interesses nem invejas pelo meio?! E a minha imaginação não parava. Gostaria de ser formiga? Poderia alguma vez ser uma delas? Teria capacidade para tanto? Engraçado, quantas vezes as senti humanas, humanas no bom sentido. Boas e amigas, como a minha Avó, a Avó Branca. Pequenina mas sempre cheia de força e pronta para tudo. Trabalhava como só ela. Dum lado para o outro mas sempre com tempo para mais uma festinha ou um abraço, quando passava por mim. E aqueles olhos tão meigos!  E perguntava-me se as formigas também teriam olhos cinzentos...Por vezes até me parecia que sim. Até acho que me olhavam com o olhar transparente da minha Avó quando me via para ali, horas a fio, a olhá-las, deslumbrada. Sim, talvez tivessem um quê de humano! Teriam ficado apenas com o lado melhor do Homem? Quem sabe?! De tanto tentar adoçar e interpretar a vida surgiu-me uma história...

Sempre me assustava a morte. E esta minha história foi talvez a maneira que arranjei para a justificar. Não há dúvida que a morte é inevitável. Mas, fazendo parte da vida, não pode ser tão feia, assim! Tive que, para me tranquilizar, lhe arranjar uma interpretação mais poética ou menos crua. Assim, cada ser que desaparece da vida pode vir a reaparecer com uma outra forma, algum tempo depois. E conforme se vai aperfeiçoando e purificando vai ficando melhor também no seu estado de 'não-vida' (de morte). Cada animal dará origem a outro, cada vez mais perfeito ou terá de repetir o seu desempenho por este longo caminho. "

- " Acho muito giro! Em que lugar estaremos nós agora?"

" Nem imagino. Nem nunca consegui adivinhar qual será o primeiro ou o último da cadeia! Mas uma coisa sempre esteve clara - pela sua imperfeição, o homem deve ocupar um dos primeiros lugares dela. Portanto ainda deverá percorrer muito lugar até à perfeição!

Mas continuando, um dia fui tentada, como tantas vezes vi fazer, a dizimar um carreiro de formigas que, segundo eu, tinha usurpado uma tacinha de mousse de chocolate que eu considerava muito minha! O tal sentido de posse do ser humano - é meu! é minha! Dedo em riste, lá ia eu esmagar uma série delas que mais não faziam que  prover o sustento delas próprias e das suas companheiras. Decidida, não ia hesitar um instante para ir contra a Natureza! Toca a matar, pela minha rica mousse!!! Já quase tocava na primeira, quando toda a minha raiva desapareceu. Ficou-me a vergonha. Seriam uns olhos cinzentos que me olhavam, reprovadores? Mas seriam mesmo uns olhos de formiga? O facto é que aquele olhar me lembrava outro, compreensivo mas severo, que tanta vez me fez evitar a asneira. Acho que eram mesmo os olhos duma velhinha muito doce - a minha Avó. Seria mesmo Ela? O certo é que nunca mais me julguei no direito de maltratar qualquer animal, por mais pequeno que fosse. E mais! Não gosto de ser preguiçosa. Pelo menos, não mais que qualquer animal se possa permitir, mesmo os mais pequenos!"

-"É tão giro, Mãe,  compreender que também os nossos Pais foram miúdos e pensaram como nós... E, sabes, gostei muito da tua história. Foi porreiro. Ela deu-me ideias para pensar as minhas próprias histórias, não achas? Espera aí um bocadinho que venho já. Vou mostrar-te que também serviu para aprender qualquer coisita."

"Já de volta, Paulo? Ena, que rapidez! Que foste fazer?"

-" Fui-me despir, não vês? E já arranjei a mala da escola a todo o vapor. Quem sabe se assim tenho direito a, mais tarde, ser um animal mais feliz que a formiga... Um que não sofra tanto o ataque dos homens mal-humorados. Nem preciso tornar-me um animal totalmente perfeito. Até prefiro ter um bocadinho de maldade! Quem sabe, uma melga?! Uma ferradela aos que se portam mal e...que me matassem depois! Queria lá saber! Tinha-me vingado...E depois... sempre podia , noutra vida, vir a ser micróbio. Dos maus. Dos perigosos. E aí é que iam ver!!!". 

 

 

E com aquela dosezita de crueldade e malícia tão própria e apenas desculpada à ingenuidade e brejerice das crianças, lá se foi, saltitanto, lavar os dentes, pouco preocupado se tinha ou não alterado, um pouco, a moralidade da minha história...  

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publicado por Milú Ruas Basso às 14:15

HÁ HISTÓRIAS E... HISTÓRIAS! - EPÍLOGO

Sexta-feira, 30.11.12

Escrevi sem pretensões.

Escrevi para recordar ou não esquecer. Escrevinhei histórias e pensamentos... muito meus. Provavelmente já há muito tudo estaria desenhado na ponta dos dedos. Foi só passar para o teclado.

Escrevi tudo numa tarde que começou com sol e se pôs com muita chuva. Uma chuva linda, dourada pelo sol. Ao som do chilrear dos pássaros, que brincavam entre as poucas folhas que o Outono tinha esquecido nas árvores.

São apontamentos sem idade, tirados da vida, ao acaso. Escolhi histórias, não pessoas. Só as que cabiam em cada uma delas.

Que desperte em quem leia o que foi para mim ao escrever - uma forma descontraída e divertida de minorar o "enfadonho" que torna sem interesse alguns dos nossos dias.

Seria bom se despertasse um sorriso de quando em quando.

Mas não há que saber onde acaba a realidade e começa a ficção. Onde começa o sonho e termina a verdade.  Pois para mim tudo foi real e verdadeiro numa tarde, no parque de campismo de Penacova. Até o meu sorriso ao reler.

 

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publicado por Milú Ruas Basso às 22:38

HÁ HISTÓRIAS E... HISTÓRIAS! - PIADAS (5)

Sexta-feira, 30.11.12

5. UMA CASA CHEIA

 

Em mais duma vintena de anos, muitos foram os episódios divertidos, muitas as histórias com alguma piada, que se foi vivendo. Provavelmente divertiram-se mais os adultos que  talvez sentissem poder estar a saborear pela última vez o mundo de cada criança. Foram bem engraçadas as aulas de pré-primária caseiras e, mais tarde, as reuniões em nossa casa com vista à elaboração dum jornal escolar. Foram óptimas as sessões de leitura de obras literárias, próprias para a idade dos participantes - alunos da primária como os nossos "filhotes". Com os anos o tempo dos clubinhos caseiros, cá em casa e que tinha feito as delícias de todos (até porque costumavam acabar num grande lanche na Pastelaria Vera Cruz, da Praceta)  foi sendo ultrapassado; em breve passámos a deliciar-nos, mais uns que outros, com tudo o que a imaginação nos foi permitindo e, principalmente, com os nossos animais.

E por cá passaram os mais variados. Foi um casal de cobaias gorduchas: o Egas e a Becas (que (não respeitando o esforço e empenhamento do Paulo ao gastar largas horas do seu tempo livre a construir uma casota de esferovite para estes dois "inquilinos") a comeram toda! Foram os periquitos (um deles amuava quando eu saía de fim-de-semana e depois do meu regresso só voltava a comer na minha mão quando se dignava desculpar-me). Foram os inúmeros canários, mandarins e bicos-de-lacre que o Paulo deixava voar livremente no quarto e que se apressavam a recolher às respectivas gaiolas sempre que ele os "avisava", com palmas, que havia pessoas à porta, prestes a entrar. Foram os melros - o meu tormento pelo horrível cheiro que deitavam. Foi o ouriço que fazia as delícias de todos ao baixar os picos ao menor contacto das mãos do Paulo. Foi uma grande ninhada de ratos brancos, que, embora deteste estes animais,  tive de criar a leite Pelargon (o  Taya que adorava oferecer-me os seus troféus de caça - raramente do meu agrado - um dia caçou a mãe, durante um curto passeio fora do ninho que tinha sido cuidadosamente montado na garagem). Eram moscas e moscas que os deditos sapudos do Miguel insistiam em apanhar, aliás com toda a facilidade, por mais que eu o tentasse convencer delicadamdente que aqueles "simpáticos" animaizinhos eram muito pouco da minha predilecção. Foram peixes e mais peixes (um deles que tinha sido pescado pelo Paulo em Escaropim, foi crescendo no aquário julgo que até se ter chegado à conclusão que ou teria um destino mais digno ou estava destinado a acabar numa tachada de caldeirada. Foi um arganaz que todas as noites subia à varanda do quarto do Paulo, no 1º andar, para dormir e comer numa gaiola aberta sempre , para o efeito. Foi um camaleão trazido do Algarve que acabou de desaparecer talvez por desistir de passar frio. Foram cágados e tartarugas que por cá passaram sem grande história, à excepção da Joana, que não sabemos se era macho ou fêmea mas que foi baptisada pelo meu irmão, o Álvaro, num dia em que resolveu pintá-la de joaninha. (Era especial... Brincava com os miúdos no quintal , seguia-os como se fosse um cão, comia à mão e vinha a casa ver televisão até que tocasse o Hino Nacional, hora em que impreterivelmente regressava ao seu lago, no quintal. Foi gravemente mordida pelo cão dos meus cunhados - cauda cortada, uma pata decepada, várias perfurações e rasgões na carapaça;  o tratamento conseguia fazer-se mediante o toque na carapaça, junto da zona a tratar - ela ajudava pondo-a de fora a zona. Um dia desapareceu inexplicavelmente. Julgámo-la morta. Dezassete anos depois foi trazida novamente por um amigo do Paulo, o Carlos Arroja sem lhe passar pela cabeça que era a mesma. Tinha-a comprado por ser muito grande como aquela de que tanto gostavamos. Mas deu-a aborrecido porque não saía da carapaça e ele não sabia se estaria viva. Reconhecemo-la quando chamei por ela  e ela pôs a cabecita de fora; a seguir  voltou a reagir à músia e à televisão. Com o tempo tornou também a comer à mão e a viver na "sua casa" - um grande tanque onde nunca mais admitiu vizinhos pois passou a matar todos os cágados que lá se punha).

Mas os verdadeiros reis da nossa casa têm sido os cães. Primeiro tivemos uma cocker negra, a Pook. Quisemos adoptá-la pois os donos iam para Inglaterra e não queriam levá-la mas tiveram que voltar a ficar com ela pois só não me mordia a mim e ao meu marido. Até as crianças não escapavam... Depois tivemos o Taya, um enorme pastor alemão! Lindo! Para lhe fazer companhia veio a Saikó, uma pastora belga muito bonita mas de muito "poucas falas" para estranhos. Procriaram e cá viveram vários anos deixando-nos só boas recordações e uma enorme saudade. O cão levava-nos a qualquer bilhete escrito para que nos inteirassemos das mensagens que deixavamos uns aos outros quando era preciso, indicava-nos  em que casa dos vizinhos estavam os nossos filhos, ladrando naquela direcção. Um dia adoeceu. Tínhamos que lhe dar vários comprimidos por dia. O meu marido estava maravilhado com o efeito do tratamento. O pior foi quando regou o quintal e debaixo da casota do cão iam rolando as cápsulas milagrosas... Enquanto isso o Taya, cabisbaixo e culpado, foi esconder-se, sorrrateiramente,  numa outra casota muito grande em que habitava à noite com a cadela. Elala não era tão exuberante mas também conseguia comunicar com facilidade. Um dia estava o cão já muito mal sem se poder levantar pelo que tinha de lhe dar o comer à boca. Inexplicavelmente ela começou a ladrar e a bater na porta da marquise, tendo de passar por cima dele o que pensei que o incomodaria. Como eu lhe ralhasse levou-me à tigela da água e começou a beber mas metendo as patas na água - como apenas ela costumava fazer - e tirando-as rapidamente como que a dizer-me que não era ela que queria beber (ele era demasiado palaciano para beber com tal espalhafato). Acabei por experimentar dar-lhe água. Ele bebeu litros. Lembrava-me de lhe tentar dar tudo menos água... Já desapareceram mas ainda estão muito presentes em todos nós! É difícil contar graças quando só apetece chorar a saudade. Agora temos a nossa grande companheira, uma boxer tigrada, quase negra. Dócil. Espertíssima! É a Sniff. Só lhe falta falar. Chama-me e olha para o relógio quando está na hora de comer. Atende o telefone ladrando e esperando para deixar falar quem está do outro lado da linha, tosse para dizer que está doente, treme para dizer que tem frio. A Rita, que  mais ou menos se ia pondo à margem da bicharada e dos brinquedos mais delicados também se lhe rendeu totalmente. Mas o verdadeiro Rei foi o nosso último cão - o Whisky. Era o meu cão de peluche, como dizia a Teresa (é que ele não saía do mesmo sítio onde eu o mandava ficar, quer fosse uma hora ou um dia!). Era um verdadeiro atleta! E era um doce para as pessoas. E um terror para os outros cães. Ás cadelas não fazia mal mas também não lhes ligava (só por interesse!). Machos só tinha um amigo: o Sheriff, um cão abandonado que ele resolveu acolher na Fraguinha, depois de lhe ter dado uma tareia monumental. Passaram a ser inseparáveis!

E pronto... Olho para trás e vejo que muito havia ainda que dizer. Olho para a frente e espero que ainda mais haja para um dia ser dito. E tenho esperanças que muito melhor venha ainda a acontecer, para mais tarde recordar... E que muitas pessoas (gente linda, gente que valorize muito mais o Ser e o Estar que o Ter), ainda, venham engrossar e a "abrilhantar" estes  apontamentos duma vida que já começa a ir razoavelmente longa.  

    

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publicado por Milú Ruas Basso às 19:17

HÁ HISTÓRIAS E... HISTÓRIAS! - PIADAS (4)

Sexta-feira, 30.11.12

4. ELE HÁ CADA TÁXI!!!

 

Há dias! Nada corre a gosto. Geralmente começa-se pelo despertador - na véspera acertamo-lo com todo o cuidado mas, de manhã, ele resolve dormir até mais tarde que nós... Depois segue-se a torneira do duche que se solta e nos acerta num pé... O manípulo da porta que nos fica na mão... A seguir vem a cena do pacote de leite, acabadinho de abrir, que resolve apresentar-se azedíssimo! Já na rua, seguem-se os engarrafamentos... Mas estes já nem têm o condão de nos surpreender! O facto de não existirem é que seria de espantar o mais atento

Mas muito mais surpresas podem "colorir" o nosso dia - o salto do sapato partido ou a capa do salto que se perdeu; na meia, a malha que caiu  e na saia a bainha que se descoseu; o botão perdido, a nódoa que, inesperadamente, nos enfeita a camisa... Coisas de pouca monta! E já para não falar no roubo da carteira, do dinheiro que esquecemos em casa, da chegada inesperada de mais uma conta para pagar, da torneira que esquecemos aberta quando saímos de casa e que, sem o bom costume de se fechar automaticamente, vai surpreender-nos, quando regressarmos, com a imagem lamentável duma casa "de molho"... E que tal quando deixamos as chaves dentro do carro trancado, quando a empregada da loja entendeu ser seu dever demonstrar-nos que "estava com os azeites" ou quando uns tantos familiares afastados resolvem fazer-nos a "surpresa" de vir passar uns "diazitos"  connosco!!!

Mas a vida ainda nos pode surpreender com muitas outras coisas que nem com uma imaginação fértil conseguimos inventar... Só ela para saber como derrubar planos ou inventar contratempos! A coisa fica mesmo preta se ela resolve mimosear-nos com um rol infindável de transtornos ou se vai ao ponto de nos impor uma sucessão infinita de percalços ou de se tranformar ela própria num enorme aborrecimento. Convenço-me que há casos em que até a própria vida é surpreendida! Um sem número de contrariedades e infelicidades são demais para a mesma pessoa! É inevitável que façam desses dias um enorme drama! E são tantos os casos, infelizmente! Por vezes até só assistir cansa! Dói ver sofrer. Por exemplo, a minha prima Branca, a  Branca da Parede como lhe chamamos, por viver naquela localidade e, assim, não se correr o risco de a confundir com a minha Avó Branca ou com a Branca Maria (a Branquinha). Pois.. Ela tem tido cada problema maior que o outro... Aliás de contratempos tem tido de tudo um muito!!! De suicídios a desastres, de desenganos a mortes, a doenças...Sempre de cabeça bem erguida e de sorriso nos lábios. Acho que das coisas boas a vida só se foi esquecendo de lhe retirar a coragem e a boa disposição. Mas isso ultrapassa largamente aqueles pequenos dissabores do dia-a-dia de cada um...

Divagando sobre tudo a que tinha direito, eis-me de volta ao princípio - um dos tais dias azarados mas daqueles que, pelo menos, não acabaram mal! Felizmente! A paciência já não era muita quando tive de enfrentar a procura dum táxi, único meio de transporte que me podia levar, com uma certa rapidez, do Apolo 70 às Amoreiras. Estava realmente com pressa para apanhar a boleia do meu marido para irmos para casa almoçar ou ele não, contando comigo, ia seguramente fazer-se à estrada sem mim. E, nesse tempo, ainda não havia telemóveis!

Subitamente um táxi na esquina da rua! Aceno-lhe. Que sorte! A espera estava quase a acabar e aparentemente sem incidentes! Apenas uns escassos metros nos separavam. Mas ainda havia que contar com mais uma paragem nos semáforos - aquele, ali mesmo ao pé de mim que no outro, o da esquina no começo da rua, já tinha parado. Mergulhei nos meus pensamentos numa tentativa de, aproveitando o tempo, encontrar soluções para a tal longa lista de contratempos com que a vida me tinha vindo a mimosear desde que me tinha levantado de manhã. O carro parou. Abri a porta sem hesitar. A tal pressa... Entrei e, distraidamente, disse o meu destino.

Um luxo! Estofos de veludo cinza azulado. Tapetes da mais fofa alcatifa. Um rádio super. Comecei a divagar! O que teria levado alguém  a pôr um carro de tal requinte ao serviço do público? Alinhavei, rapidamente, uma história a meu gosto. Estava-se no período da pós-descolonização. Provavelmente tinha trazido o carro duma das ex-colónias e resolvera servir-se dele para sobreviver. De repente algo chamou a minha atenção - não havia taxímetro. Estranhei. Tive de contentar-me com um lacónico "pois não minha senhora, taxímetro, de facto, não tenho". Tentei arranjar as minhas explicações para o facto - burocracias! Demoraram a conceder-lhe o alvará e resolveu não ficar à espera. Fez ele muito bem! Entretanto ele mantinha-se calado, apostado em não perturbar o meu "esvoaçar". Ocorreram-me pensamentos soltos. Havia coisas que para mim eram verdadeiros quebra-cabeças. Como se pode estar a demorar a resolução de assuntos que se sabe serem vitais para algumas pessoas?! Que raio de católicos tão desapiedadas e intransigentes há por aí à solta! Também não é de admirar se são os mesmos que admitem, como máxima para explicar todo o tipo de roubos ou, até, crimes de morte, ditos como: "Deus o deu, Deus o tirou". Para no momento seguinte ameaçarem sem respeito nem ponderação: "Quem dá e tira vai parar ao inferno"... Arrepia. E vemo-los a cada passo. Felizmente ou infelizmente Ele lá vai desculpando.

Realmente, que carro tão confortável! Convida mesmo à divagação. Os pensamentos atropelam-se com as notícias da rádio. Os jovens querem, legitimamente, saborear a vida com toda a excitação, exaltação e rebeldia a que têm direito! Mas como podem tantos deles, provavelmente os mais entusiasmados, refugiar-se em drogas? À partida,  sabem que elas lhes irão tirar, a curto prazo, a capacidade de qualquer tipo de emoções, de qualquer hipótese de independência e, até, de se bastarem a si próprios! Será que se maravilham com a ilusão  duma simples reacção química? Basta-lhes? Pensam que têm um organismo diferente dos que sucumbem e que  poderão "reagir " aos estragos, assim, para sempre? Triste... Depois de tanta informação! Muito triste!!!

De repente, o senhor deve ter desistido de se manter calado e pergunta-me: "A senhora sabe por que não tenho taxímetro?". Lanço a minha conclusão, numa tentativa de confortá-lo: "Imagino. Ainda não conseguiu a papelada. São coisas muito demoradas! Há pouco interrogava-me, precisamente, sobre o assunto". Com um ar pachorrento e conformado responde-me: "Pois, mas não tem nada a ver com esquemas burocráticos, sabe? Não tenho taxímetro, simplesmente, porque este carro não é um táxi"!

Pasmei e assustei-me ao pensar no que poderia ter dado a minha costumeira distracção. Como senti que aquela história  de "se tivesse aqui um buraco enfiava-me por ele abaixo" fazia todo o sentido! Para o dia ser completo era o que me faltava! E queixar para quê!  Cheguei a salvo, ou não? O que teria que se queixar o pobre que teve de me servir de motorista depois dumas tantas horas seguramente a cuidar da toilette já que na verdade ia de ponto em branco... De facto o que poderia ele dizer dum dia em que teve de aturar uma maluca qualquer que mandara parar o táxi que estava nos semáforos ao fim da rua e  entrara no primeiro carro que tivera de travar uns metros mais acima, por azar, ao pé de mim?!...

Há que reconhecer também os momentos de sorte. E eu tive-a. O senhor fez questão de me levar às Amoreiras. De borla! Delicadamente! Sã e salva! Para mim, naquele dia tinham-se acabado as lamúrias! E no dia seguinte? Logo se via. Uma coisa de cada vez! Não é o que se costuma dizer? De facto, numa longa vida nem tudo pode ser mau... nem bom. Há é que pensar sempre que melhores dias virão, tentando encontrar  a piada das coisas. Sempre! 

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publicado por Milú Ruas Basso às 16:44

HÁ HISTÓRIAS E... HISTÓRIAS! - PIADAS (3)

Sexta-feira, 30.11.12

3. VEM NOS LIVROS

 

O nosso filho mais novo, o Miguel, começou por ser uma criança calmíssima que ficava a brincar onde o punhamos, sem chorar. Um gosto! O pior veio depois...

A partir do ano, "trocaram-mo"... Nada parava com ele. Andavamos todos extenuados. Ainda mal recuperados pelo que ele tinha aprontado, já tínhamos outro problema a resolver. Os Avós, a Bisavó, aTia Emília e a Idília (que nos ajudou a criá-lo)...nós todos! De rastos...

Valiam-nos alguns amigos que nos iam revezando, cativados pela sua simpatia e ternura e, realmente, empenhados em nos aliviar. Claro que ele tinha os seus eleitos. Em casa dos Abreus e dos vizinhos do lado, a Manuela e o Armando, tentava não deixar os créditos por mãos alheias e ser um rapaz todo atilado. Abria outra excepção para a Visitação, talvez por acamaradar imenso com o filho mais novo - o Pedro. Ainda me restam algumas dúvidas se ele se portava mesmo bem ou se o seu aparente bom comportamento era devido à enorme paciência deles...

Como é que uma criança tão calma, em tão pouco tempo, se modificou tanto, a ponto de fazer tanto estrago?! Mas tudo se lhe desculpava pelos seus momentos de meiguice e ternura. Até os irmãos estavam sempre a desculpá-lo, a protegê-lo. Batia-lhes? Impressão nossa! As marcas encarnadas e as lágrimas, sentidas? Não tinha sido nada; não tinham nada a ver! Tudo preferiam a vê-lo castigado. E lá iam avisando os mais afoitos com um prudente:

" Atenção, olhe que ele morde!". E é que mordia mesmo...

Sempre tivemos cães e o amigo do Miguel, de todas as brincadeiras, era um pastor alemão enorme - o Taya. Como o Miguel fez chichi na cama até tarde devido ao seu sono pesadíssimo pelo cansaço do dia, respeitavamos ao máximo o "merecido  repouso do guerreiro". Por esse motivo pelo menos as suas idas ao bacio durante o dia passaram  a revestir-se duma certa pompa e circunstância.

Talvezpor isso um dia fui dar com o cão a ganir, ante a insistência do Miguel, que o espremia e apertava. Lá estavam os dois dentro da enorme casota de madeira do Taya. O Miguel, de bacio na mão, tentava convencer o pobre cão, entre protector e determinado: "Vá lá, não sejas porco. Faz na bacia. Se fazes na cama, zango-me e levas tatau...". Foi a grande risada! Nossa, porque o cão não deve ter achado graça nenhuma! 

E o Miguel lá foi crescendo e desconcertando a femília toda. E eis que chegou à fase dos palavrões! Já com dois anos e meio, havia no seu reportório quatro que eram verdadeiramente da sua preferência. Para que ele os esquecesse, tentámos tudo para lhe desviar a atenção: castigar, ralhar e até bater . Nada resultou. Resolveu dar-se tempo ao tempo. Talvez a medida mais acertada. Acho que se foi fartando pois com o tempo deixou de usar tais palavras.

Mas embora incómoda, aquela foi uma fase engraçada. Moreno, cabelo castanho muito escuro e cheio de caracóis largos, olhos muito pestanudos e marotos ele lá ia crescendo, sempre empenhado em derrear-nos e divertir-nos.

Um dia,ainda nesta fase,  teria ele uns três anos,  a Tia Estela estava a ler aos irmãos uns livros que lhes tinha trazido. Como não o deixassem participar, ele irritou-se e disse o tal reportório de palavras, muito escolhidas. A Tia espantada e escandalizada chamou-me para me contar o acontecido. Vendo-me e sabendo que nem tudo iam ser rosas, o Miguel não hesita e, à guisa de justificação diz:" Oh Tia, estava tudo escrito nos livros que deu ao Paulo e à Rita!" 

E assim tem passado a vida. A surpreender-nos. Um alto sentido de independência tão em desacordo com a mimalhice que lhe é peculiar. Uma auto-suficiência por vezes, pela pouca idade,  bem próxima da imponderação e infantilidade. Um pé na disponibilidade incondicional, outro no egoismo de quem luta pelo que quer sem hesitações, doa a quem doer. Superando as contrariedades, aparentemente, com a maior descontração e conformação face aos embates...

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publicado por Milú Ruas Basso às 15:27





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